Maduros e Atemporais - O Desafio do Envelhecimento Saudável

Você já deve ter notado que estamos vivendo uma profunda mudança demográfica no mundo, não é mesmo? Enquanto o século XX foi marcado especialmente pelo crescimento exponencial da população, o século XXI pode ser definido como o “século do envelhecimento”. Paralelamente, vemos as taxas de natalidade serem cada vez menores levando, no Brasil e no mundo, a uma inversão da pirâmide etária, já que acrescenta, a cada ano, um verdadeiro tsunami de pessoas acima dos 60 anos. E entre os longevos, o grupo dos super idosos (acima de 80 anos) terá um crescimento proporcional ainda mais acelerado nos próximos anos, passando a ser uma parcela importante dentro do contexto da sociedade especialmente a partir de 2050.
O olhar atento a esta migração etária no cenário de envelhecimento da população em geral e, muito em particular, das experiências vividas por países de população mais velha, nos leva a repensar o conceito de velhice. Para muitos de nós, a velhice está estereotipada naquele vovô ou vovó de cabelos brancos, frágil e de fisionomia enrugada. Mas quem ainda acredita nisso? Quais os significados possíveis para esses cabelos grisalhos?
Afinal, estamos todos igualmente envelhecendo, com diferentes idades e em diferentes velhices, nos relacionando um com o outro. Nestes últimos anos, esta fase da vida que tem sido chamada de diversas formas, como sênior, idoso, velhice, terceira idade, grisalhos, melhor idade, entre outros, vem buscando dentro da sociedade o desejo de revisar os valores que foram conquistados por avanços científicos e de impor profundas modificações que implicarão, em larga escala, na mudança do modo de vida na sociedade entre diferentes gerações.
Como ficará nossa sociedade em um cenário onde os idosos são maioria?
Considerando que as projeções apontam para o fato de que até 2030 o Brasil será a sexta população idosa no mundo, é prudente e oportuno agirmos com rapidez para podermos dar conta desta mudança iminente. E por onde começar? O cenário apresentado no conceito de “Aging in Place” é um bom começo para essa reflexão que trata, em sua essência, meios de alcançar um envelhecimento saudável sem perda de independência e autonomia.

Afinal, o que realmente impacta na qualidade de vida das pessoas que querem envelhecer em suas casas? A resposta pode parecer ampla, no entanto, o que é comum a todas as velhices é que a jornada do envelhecimento é caracterizada por um conjunto de perdas. Essas perdas são invariavelmente percebidas na medida em que deixamos de trabalhar, quando apresentamos algum declínio de saúde e quando perdemos parte da rede familiar ou social. Essa tríade de perdas abala as relações biopsicossociais da pessoa idosa, alterando a sua trajetória de vida individual, familiar, social e cultural ao longo do processo do envelhecimento e impactando no papel social que desenvolvia dentro de sua comunidade.
Os benefícios do conceito "aging in place" vão além do indivíduo sênior e estimulam medidas que elevam o bem-estar de toda a família.
Os desafios para compreender essa avalanche de demandas de atenção do público 60+ exigem competências que vão além das capacidades ou conhecimentos técnicos comuns aos profissionais da saúde ou dos modelos de atenção públicos e privados existentes. A velhice não é homogênea e nem um processo de via única, é multifacetada e pode ser modificada ao longo do tempo. O problema e a oportunidade estão na gestão e planejamento das perdas, e exigirão um conjunto de medidas especialmente voltadas para a atenção preventiva e de readaptação do modo de vida da pessoa idosa durante sua jornada de “perdas” no envelhecimento.
No entanto, é importante compreender que julgamos que o processo de envelhecimento considerado normal não está associado à perda da independência e da autonomia, mas sim ao maior risco de adoecer e de desenvolver limitações.
É normal da idade avançada não conseguir mais fazer tudo sozinho?
Um mito muito difundido em relação ao envelhecimento é aquele que diz que é normal que pessoas idosas percam capacidade para realizar tarefas simples do dia a dia. As tarefas diárias, essenciais para o bem-estar em qualquer ambiente social, devem ser encaradas com um olhar ampliado, já que existem alternativas e soluções para estimular e adaptar as necessidades básicas às limitações funcionais da pessoa sênior. A dependência desnecessária de outras pessoas, ainda que muito próximas, como filhos e netos, pode levar a uma vida de muita tristeza e, em alguns casos, depressão.
Que fatores considerar para alcançar um envelhecimento saudável?
Tratar as habilidades funcionais do idoso de forma isolada é um erro muito comum na hora de avaliar o bem-estar biopsicossocial no envelhecimento. A abordagem ampliada e os pilares centrais para o envelhecimento saudável segundo a OMS estão relacionados ao modus vivendi da pessoa em fazer exercícios regulares (movimentar-se), alimentação equilibrada, uma boa rotina de sono, interações sociais e familiares ativas e, é claro, cuidar da saúde, da mente e do espírito.
Aqui na Human Care Brasil nossos serviços identificam através de pesquisa de rastreio fatores que ajudam você a avaliar o cuidado com a pessoa idosa a fim de buscar um envelhecimento mais seguro, ativo e saudável. Veja como:
- Indivíduo: busque entender quais são as limitações físicas como dificuldades de mobilidade e locomoção, visão, audição, humor e cognição e veja como elas podem ser compensadas através da implementação de novas rotinas, exercícios, uso de andadores e adaptação de utensílios domésticos.
- Casa: desobstrua caminhos, invista em pisos antiderrapantes, luzes de emergência, apoios para locomoção e outros acessórios que contribuam para a segurança, conforto e acessibilidade.
- Rede de Apoio: verifique se o idoso tem ao seu alcance vizinhos, parentes e amigos facilmente acessíveis em caso de necessidade ou urgência.
Como pode ver, o bem-estar psicológico e social é tão importante quanto os cuidados com a saúde física do idoso. Por isso, uma visão ampla sobre a rotina é tão relevante para garantir um envelhecimento saudável.

O valor da independência é inestimável.
Individualmente, o que custa mais caro nas perdas para o público da terceira idade é ter ameaçado sua independência e autonomia. Por isso, os quatro grandes pilares do envelhecimento que não saem do pensamento durante sua jornada são: o tempo, a liberdade, a saúde e o dinheiro. O tempo para estarem com quem mais querem estar e curtir a vida ou novos projetos, a liberdade para poder escolher o que querem, a saúde para atenuar os declínios naturais, e o dinheiro para pagar por tudo isso.
A idade não é a que a gente tem, mas a que a gente sente.
O que fazer como sociedade para melhorar a qualidade de vida dos idosos?
Nesta direção, para fomentar de forma universal a cultura da gerontologia precisamos acreditar e apostar nos benefícios dos recursos que a tecnologia da informação e de dados pode oferecer ao sistema e especialmente aos profissionais de saúde. Isso será essencial para tornar a sociedade cada vez mais inclusiva, saudável e adaptada ao futuro, tendo como grande trunfo o envelhecimento ativo e saudável. É neste contexto que conseguiremos avançar, conforme consenso da Organização Mundial da Saúde, do paradigma de viver uma vida útil (LifeSpan) para o um conceito de viver uma vida ativa, de preservação das habilidades e, principalmente, quando alguma perda ou declínio acontecer, de muita resiliência e adaptação para um envelhecimento saudável (HealthSpan).
Para a sociedade como um todo, o grande eixo de transformação para desmistificar o envelhecimento e avançar para uma cultura de respeito e dignidade da pessoa idosa passa por entender que cidadania é um processo que não se dá de forma estática ou formalmente escrita em artigos da constituição ou em estatutos, mas sim de uma conquista que precisa ser exercida e garantida por todos.
Sara Goldman, em seu livro intitulado “Universidade para Terceira Idade”, deixa uma descrição muito verdadeira de cidadania:
“O envelhecimento como um processo complexo que ocorre em cada pessoa, individualmente, mas condicionado a fatores sociais, culturais e históricos, que vão rebater na sociedade como um todo, envolvendo os idosos e as várias gerações. Por seu caráter multifacetado, o envelhecimento abarca múltiplas abordagens: físicas, emocionais, psicológicas, sociais, econômicas, políticas, ideológicas, culturais, históricas, dentre outras. A conjuntura marca as diversas formas de viver e de conhecer o envelhecimento, assim como a posição de classe social e as determinações culturais tomam formas diferenciadas no tempo e no espaço.”
Por isso que o caminho da transformação para ser amplo e irrestrito requer avanços nos mecanismos de (1) democratizar o acesso à informação e o conhecimento, (2) fomentar o protagonismo e estimular novos ou velhos propósitos de vida, (3) garantir o papel social e sua representação junto a família e sociedade, e, por fim, (4) promover saúde e bem-estar que garantam, preservem ou prolonguem a independência e autonomia da pessoa idosa ao longo de sua jornada. Parece difícil não? Eu diria que é desafiador e, ao mesmo tempo, uma oportunidade. Ademais, a história é cheia de exemplos de que já fomos capazes tanto individualmente quanto como sociedade a grandes transformações. Precisamos planejar e inovar, e hoje podemos contar com os grandes avanços da tecnologia.
Tenho convicção de que ressignificar a longevidade a partir de hoje nos oportunizará um olhar propositivo que poderá ampliar de forma positiva a colaboração entre os diferentes atores da sociedade e ao mesmo tempo, encontrar os melhores caminhos para os desafios do envelhecimento da sociedade. Mas aí já temos assunto para um novo texto!
Fontes:
1. BORGES, A. P. A. e COIMBRA, A. M. C. Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa. Rio de Janeiro: EAD/Ensp, 2008.
2. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Congresso Nacional, 1988.
3. Estatuto do Idoso - Ministério da Saúde - 3. ed., 2. reimpr. - Brasília: Ministério da Saúde, 2013.
4. GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel. Memória de minhas putas tristes. Buenos Aires: Sudamericana, 2004
5. GOLDMAN, Sara. Universidade para terceira idade: uma lição de cidadania, 2003.
6. Human Care Brasil. Blog Aging Place: https://humancarebrasil.com.br/artigos/aging-in-place/
7. Human Care Brasil. Moradia Segura: https://humancarebrasil.com.br/servicos/
8. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010.
9. WILSON, C. The century ahead. Dædalus, p. 5-8, Winter 2006.10. WHR – World Health Report: WHO, 2002